- Escola de samba muda ideia da combinação de futebol no Carnaval
- Mesmo com histórico desfavorável, agremiação conquista bons resultados
- Botafogo Samba Clube se prepara para pôr a mística à prova na Avenida
O futebol brasileiro sempre foi uma paixão nacional. Embora não tenha sido criado no país, o esporte é o mais popular e assistido por milhões e milhões de pessoas. Outra paixão do brasileiro, mas principalmente do carioca, o Carnaval, mais precisamente o concurso dos Desfiles das Escolas de Samba desperta interesse todo ano nos meses de fevereiro ou março. Para muitos, inclusive, o Carnaval começa apenas nesse período citado acima. Contudo, os trabalhos nas agremiações começam muito antes.
Em meados de julho, as escolas já têm os enredos e os sambas que farão parte do concurso dentro das escolas para saber qual deles vai para a Avenida. Entretanto, o que essas duas paixões nacionais tem em comum? Muito pouco. Isso porque, pelo menos na história do Carnaval, os temas relacionados ao futebol normalmente não são acompanhados do sucesso. Assim, não somente sob o aspecto dos temas, mas também das próprias agremiações.
Nunca foi raro, até longe disso, o carnaval se aproximar do futebol e vice versa. Muitas torcidas organizadas, usando o seu organograma e modus operandi, tentaram entrar no mundo do samba, mas sem sucesso nos concursos, jamais alcançaram a divisão de acesso, quanto mais o Grupo Especial, onde abriga as principais agremiações. Sem o êxito, acabaram ficando pelo caminho ou viraram blocos que desfilam no período carnavalesco pelas ruas do Rio.
Botafogo Samba Clube muda história
Entretanto, uma escola criada em 2018 vem quebrando paradigmas e fazendo história nos desfiles das escolas de samba. Um grupo de torcedores do Botafogo, todos apaixonados por futebol, fundaram a Botafogo Samba Clube. Portanto, desde então a instituição ligada ao Glorioso, vem obtendo resultados históricos em pouco tempo de existência. Acompanhada do bom momento do futebol, no último Carnaval, a agremiação conquistou o direito de desfilar na Avenida Marquês de Sapucaí e postular uma vaga no Grupo Especial de 2026.
Presidente afirma: ‘Tivemos medo’
Os fatos citados acima e a pouca aceitação de enredos ou agremiações ligadas ao futebol dentro do mundo do Carnaval fizeram esse grupo de torcedores temer pelo futuro. O presidente da Botafogo Samba Clube, Sandro Lima, afirmou ao site SDA que o histórico dessa mistura de futebol e Carnaval não dava muita esperança. Somente a vontade dos gestores e a experiência de todos no mundo do samba não deixaram o barco mudar de direção.
– Medo sempre teve, que não ia dar certo, que poderia dar errado. Não por nós, mas porque poderíamos encontrar resistência em relação ao seguimento futebol. A Gente sempre buscou se cercar de sambistas. Minha história de carnaval sempre foi dentro da Beija-Flor. Então, quando a gente começou a tocar esse barco, já conhecíamos muito do samba, procuramos nos cercar de sambistas que torciam para o Botafogo – disse.
Veja o histórico da BSC:
- 2019 – 4ª divisão – Vice-campeã
- 2020 – 3ª divisão – 10º lugar
- 2022 – 3ª divisão – 8º lugar
- 2023 – 3ª divisão – 4º lugar
- 2024 – 3ª divisão – Vice-campeã
Como visto no histórico, no Carnaval de 2024, apresentando o enredo “Taina-Kan: A Estrela Solitária”, a agremiação contou uma história baseada em uma lenda Karajá de amor e rejeição entre uma indígena e uma estrela solitária. Com a assinatura do ator Marcelo Adnet como carnavalesco, a Botafogo Samba Clube se tornou a primeira escola de samba ligada à torcida de futebol a ter a chance de pisar na Avenida Marquês de Sapucaí no Carnaval do ano que vem. Devido ao trabalho sério, Sandro Lima revelou que já esperava essa condição.
– E a gente já esperava pelo acesso, tínhamos certeza de que aconteceria mais cedo ou mais tarde. A escola estava muito forte e isso iria acontecer. Agora, se você me perguntar o que vai acontecer, eu não tenho a menor ideia. Estamos chegando e vamos usar a mesma receita. Estamos cercado de grandes profissionais, de grandes sambistas, de gente preparadíssima, de gente experiente na Marquês de Sapucaí – afirmou.
O sucesso da escola é tão grande que, mesmo faltando meses para o grande desfile, sem nem mesmo ter os protótipos de fantasia e alegorias para o Carnaval prontos, já não há vagas para desfilar na agremiação. Conforme informações do dirigente, são mais de mil pessoas na fila para entrar em uma ala na escola para 2025.
– Estamos tendo o apoio da escola. Hoje não temos mais vagas para desfilar em ala, estamos com uma fila de mais ou menos 1400 pessoas esperando uma vaga. Então, estamos muito felizes. Vamos apresentar os protótipos em agosto e tenho certeza de que quando as pessoas virem o que estamos preparando para o Carnaval, vão querer participar – revelou.
Enredo
Para o Carnaval em questão, a escola vai levar o enredo “Uma gloriosa história em preto e branco”, que contará a origem do Botafogo de Futebol e Regatas, desde a origem do nome, passando pelos grandes ídolos e conquistas do clube. O carnavalesco Alex de Souza é o responsável pelo desenvolvimento do enredo.
Samba enredo de 2025
Neste domingo, a escola escolheu o samba que vai embalar os componentes neste desfile histórico. A parceria comandada por Aline Bordalo, Ricardo Góes, Gutemberg Kunta, Julinho Dojuara, Mauricio Almeida, Fernando de Lima, Daniel Bomfim e Serginho Machado venceu o concurso da agremiação. Este é o primeiro samba da escola alvinegra na Marquês de Sapucaí.
A jornalista Aline Bordalo, uma das autoras do samba enredo, falou sobre a importância de ter torcedores do clube entre os compositores. Ela que tem o canal Botafogo Nela, no Youtube, dedicado à cobertura da equipe, deixou em evidência toda a sua emoção de poder unir seus dois amores: Carnaval e Botafogo.
– Foram sete compositores para este samba. Como jornalista, escritora e botafoguense, ajudei muito na letra e é muito importante ter botafoguenses como compositores do samba. Eu quando o escuto, me arrepio toda, tenho vontade de chorar porque este é o meu sentimento. Uniu tudo que eu amo, o Carnaval e o Botafogo. Colocar isso para fora, cantando esse samba é muito emocionante – revelou.
Em uma disputa acirrada, que contou com quatro sambas na final, o anúncio do hino da Botafogo Samba Clube de 2025 ficará registrado não somente na memória de Aline, mas em seu coração.
– No dia da final, não consigo descrever o que eu senti. Só de pensar que você vai ficar marcado na história da escola do Botafogo, pela primeira vez na Sapucaí, é uma coisa muito importante. O hino da escola de 2025 vai ser cantado sempre. Então no dia do desfile vai ser mais emocionante ainda. Vou ter que recuperar meu coração para mais essa emoção – disse.
Grandes escolas tentaram o futebol
Muito embora a Mocidade Independente de Padre Miguel, uma das grandes agremiações do Carnaval, tenha sido criada através de um clube de futebol, o sucesso nessa relação não é normal. Muitas grandes agremiações tentaram vincular seu nome, fazer parcerias ou homenagear algum ídolo do esporte ou instituições em seu centenário. Mas não tiveram êxito, ou melhor, não corresponderam às expectativas. Veja algumas dessas homenagens:
Estácio de Sá 1995
No ano do centenário do Flamengo, a Estácio de Sá homenageou o clube. Na época, a escola tinha recursos e havia sido campeã três anos antes. Além de retratar a história de um dos maiores clubes do futebol brasileiro, falou sobre seus ídolos. Com muitas contratações naquele ano, inclusive do então melhor do mundo, Romário, o clube abraçou a ideia. A maioria dos atletas estiveram no desfile, além do técnico Vanderlei Luxemburgo. O resultado não foi dos melhores. A agremiação ficou apenas em sétimo lugar no desfile do Grupo Especial.
Unidos da Tijuca 1998
Se no centenário do Flamengo a Estácio homenageou o clube, nos 100 anos do rival Vasco, foi a vez da Unidos da Tijuca aparecer. No desfile, a escola relembrou o navegador português Vasco da Gama e a trajetória de títulos do Cruz-Maltino. A agremiação não vivia bons momentos, mas se mantinha entre as principais escolas ano após ano. O Vasco por sua vez vinha de um título brasileiro no ano anterior e se preparava para vencer a Libertadores, confirmada meses depois. Mas a escola não foi bem com o enredo e acabou rebaixada para o Grupo de Acesso.
Vila Isabel 2002
A Enciclopédia do futebol, Nilton Santos, foi homenageado pela Vila Isabel em 2002. No desfile, a escola contou sobre a carreira do ídolo brasileiro, que ainda estava vivo na época da homenagem. Mas a escola que estava no Grupo de Acesso em 2002, acabou ficando com o segundo lugar e não conseguiu voltar ao Grupo Especial em 2003.
Rocinha 2003
Em 2002, o Fluminense comemorou o seu centenário. Então, assim como os seus rivais Flamengo e Vasco, o Tricolor das Laranjeiras foi para a Avenida com a Acadêmicos da Rocinha no Carnaval de 2003. Contudo, da mesma forma como nas homenagens dos rivais cariocas, foi assim no resultado. A Rocinha ficou na 13ª colocação do Grupo de Acesso.
Tradição 2003
A Tradição, escola do bairro do Campinho, no Rio de Janeiro, homenageou Ronaldo Fenômeno em seu desfile de 2003. Grande nome do Brasil na conquista do pentacampeonato, Ronaldo não participou do desfile, por conta de compromissos profissionais. Assim, mandou a sua mãe para representá-lo. Embora tenha conquistado o título de campeão do mundo seis meses antes daquele desfile, como enredo Ronaldo não foi muito bem: a Tradição ficou apenas na 13ª posição do Grupo Especial.
Imperatriz 2015
O mais recente caso de homenagem a algo ou alguém ligado ao futebol foi no Carnaval de 2015, quando a Imperatriz Leopoldinense, uma das escolas mais tradicionais do Carnaval brasileiro, homenageou o ídolo do Flamengo Zico. Em seu desfile, alguns dos grandes nomes do futebol estiveram presentes. Embora tenha feito um bom desfile, a escola de Ramos não conquistou o troféu e ficou na 5ª posição, voltando, assim, no Sábado das Campeãs.
Sucesso é quase certo em São Paulo
Não é de hoje que Carnaval e futebol tentam se dar bem aqui no Rio de Janeiro. Como dito mais acima, seja com agremiações oriundas de torcidas, ou em homenagens de grandes escolas. No Carnaval de São Paulo as coisas são um pouco diferentes. Por lá, duas das principais escolas do Grupo Especial são das torcidas organizadas Gaviões da Fiel, do Corinthians, e Mancha Verde, do Palmeiras.
Donas de títulos do concurso através dos anos, as agremiações ligadas às torcidas organizadas tem um papel fundamental no desenvolvimento da cultura dos desfiles. Quem garante é Sandro Lima, presidente da Botafogo Samba Clube. É essa a organização que o dirigente da BSC espera levar para o futuro da escola de samba.
– Em comparação com São Paulo, não tem como comparar, nem torcida temos como comparar. Em termos de organização de torcida, eles estão muito na frente. Essa organização eles levaram para a Avenida e fomentou o Carnaval de lá por muitos anos. Quando ninguém curtia o carnaval de São Paulo, era a Gaviões que enchia a arquibancada, era a Mancha Verde que enchia a arquibancada. Muito do que o carnaval de São Paulo é hoje se deve a essas escolas – disse.
Outras escolas devem aparecer e surgir
O sucesso da Botafogo Samba Clube coincide com o sucesso do time de futebol. Lutando pela liderança do Campeonato Brasileiro, e com contratações de peso, a equipe quer levar algum dos grandes títulos da temporada. Embora o êxito dos campos não esteja diretamente ligado ao da Avenida, como o presidente da agremiação disse acima, o ânimo fica diferente. No embalo da BSC, outras agremiações oriundas de torcida estão surgindo, aponta Sandro Lima.
– Hoje já viram que não dá pra desdenhar mais do Botafogo Samba Clube. A Flamanguaça também está vindo muito forte. Essas escolas fazem Carnaval, brigam pau a pau na Avenida. Elas estão buscando o seu espaço e uma hora vai acontecer. Essas escolas vão aprendendo, vão se aperfeiçoando, estão aprendendo a fazer o que ainda não está perfeito – revelou.
E se, segundo o presidente, as vitórias da escola vão mudando o ânimo do componente, como estarão os integrantes da Botafogo Samba Clube se a expectativa do campo for correspondida? A resposta ficará para os próximos meses e será respondida em dezembro de 2024 e março de 2025.
