Após muitos anos tendo pouca relevância na mídia e no público, o futebol feminino está conquistando cada vez mais espaço, seja pelo crescimento do número de jogadoras ou pelo destaque conquistado por Marta, Alex Morgan.
Em entrevista para Site-de-Apostas.net, a zagueira do Corinthians Erika Cristiano falou sobre sua carreira, suas dificuldades no futebol feminino e a necessidade de incentivo para outras garotas que – assim como ela – nasceram para jogar futebol. “Desde pequenininha eu coloquei na mente que queria ser jogadora de futebol, independente do que acontecesse”, disse Erika.
Ainda criança o sonho de Erika era fazer parte da escola de futebol do ex-jogador Marcelinho Carioca. Corinthiana, a atleta queria fazer parte do centro de treinamento do ídolo do Timão. “Eu sendo corinthiana e Marcelinho corinthiano, eu queria jogar na escolinha dele, só que meus pais não tinham condições para isso”.
“Um dia eu cheguei da escola e tinha uma cartinha em cima da minha cama e era a inscrição para a escola do Marcelinho Carioca. Ali eu não sabia se chorava, se eu pulava na cama, se abraçava meu pai e minha mãe, porque era o que eu queria, naquele momento era o meu sonho, entrar em uma escolinha de futebol, e ali começou minha vida, foi ali que começou minha carreira futebolística”.
Na escolinha de futebol a pequena Erika se encontrou. Jogava futebol com os meninos e começou a desenvolver seu talento no futebol. No entanto, após alguns anos na escolinha, a família da pequena jogadora não estava com condições de continuar o pagamento da mensalidade, forçando Erika a abandonar o treinamento. “Depois de uns dois anos eu não consegui permanecer na escolinha por não ter condição de pagar. Naquela época era 30 ou 50 reais por mês, mas a gente não tinha essa condição”.
O talento evidente de Erika no futebol foi o principal motivo para ela conquistar uma bolsa de estudos e conseguir continuar na escolinha. “Meus pais falaram para a direção que eu tinha que sair e eles me deram uma bolsa e foi aí que começou tudo, não paguei mais por ser a única menina e levar outras meninas para a escolinha”, comentou.
Com a experiência adquirida na escolinha de futebol, Erika chegou a seu primeiro clube profissional, o Juventus. Destaque no futebol, aos 16 anos a atleta foi convocada para a Seleção Brasileira Sub-19.
“É difícil a gente ter oportunidades. De alguma forma eu soube pegar as oportunidades e transformar no que eu queria, mas são poucas as oportunidades que a gente tem e quando a gente fala em desafios, nós generalizamos tudo, já que como atleta se machucar já é muito complicado.”
A vontade de vencer e conquistar uma carreira profissional no futebol fez Erika enfrentar os desafios de peito aberto, sem se deixar abalar com as adversidades. “Quando alguém fala que é difícil isso depende muito de como você põe a dificuldade. Eu aprendi muito com meus pais sobre orientação do que você acha difícil. É difícil se você quiser, é complicado se você pensar que vai ser complicado. No começo a gente não tinha dinheiro, mas meu pai era motorista de ônibus, e é até hoje, e eu conhecia muitos dos motoristas, então pagar passagem? Nunca! Passava por baixo na catraca, entrava por trás, fazia um sinal. Já estava com a roupa de futebol e eles já sabiam que eu pegava o ônibus no mesmo horário”, relembrou.
Erika recorda o espírito de união que o futebol trazia ao país, e em época de competições esportivas vestia a camisa e pintava a rua. Agora, mesmo trabalhando nesse meio, ela sente falta desse espírito. “O esporte no Brasil está caindo muito e a gente fica triste com isso”.
É inevitável a disparidade entre o futebol femino e masculino, com as mulheres tendo que batalhar muito mais para conquistar uma pequena parcela do que os homens. Com experiência internacional, Erika recorda que lá fora os times femininos tem uma voz mais ativa.
“É disparada a diferença entre masculino e feminino. Disparado em tudo e em todos os países. Lá fora as meninas estão começando a ter muita voz e elas estão fazendo isso acontecer, coisas que aqui no nosso país nós não temos. A gente precisa se unir no futebol feminino para aumentar nossa voz”.
A busca por direitos ao longo dos anos teve uma melhora, mas ainda está longe de equiparar aos rendimentos masculinos. “Teve uma melhora gigantesca, mas nós temos ainda muito que evoluir. E não é só o futebol feminino, é tudo e toda profissão que envolve a mulher. Todo mundo sempre fala que somos o país do futebol, mas só do futebol masculino”, acrescentou Erika.
Para diminuir a desigualdade, Erika usa sua voz na luta pelos direitos das mulheres. “O preconceito é gigantesco. Me perguntam se eu eu sou feminista, mas isso não importa. Eu vou brigar por qualquer causa, não por ser mulher, mas vou brigar porque o que é justo é justo e não difere ser mulher ou ser homem”, comentou.
“A gente viu uma alta do futebol feminino e lá fora está crescendo absurdamente e elas estão conseguindo ter voz e isso é fundamental para essa geração que está chegando. Eu quero muito brigar pelo futebol feminino, quero muito levantar essa bandeira. Estamos um passo atrás, mas estamos andando. Antes a gente parava e dava passos para trás, agora estamos indo para frente e aos poucos nós vamos trotando, tendo a iniciativa.”
Além disso, é importante o apoio da mídia para fortalecer o futebol feminino no Brasil. “Tem muitas TVs que querem que a modalidade cresça, muitos profissionais que querem que a modalidade cresça e isso é fundamental”, disse Erika.
Erika começou sua carreira ainda criança, por isso ela busca incentivar as pequenas que sonham com uma carreira no futebol. “Eu gosto de dar atenção máxima para elas, porque eu já fui uma dessas e eu não tive essa atenção. Até mesmo para assistir, poder estar com outras jogadoras. Eu tento falar a realidade do que a gente vive, mas ao mesmo tempo de que elas podem. Tento incentivar ao máximo para que elas não desistam dos sonhos.”
No entanto, as instalações para formação de novas jogadoras têm pouco apoio e incentivo governamental para melhora nas estruturas. “Os prefeitos vão lá quando precisam de voto, ou quando precisam de algo maioral.”
“A gente ainda precisa crescer muito, e em questão cultural. Precisamos de apoio da prefeitura”, acrescenta Erika.
Um dos lugares especiais para Erika é o Centro Olímpico, local que ela teve oportunidades e conseguiu desenvolver suas habilidades. “Eu sempre cito o Centro Olímpico, que foi onde eu comecei. Lá não tem futebol masculino, só tem futebol feminino e é um centro olímpico. Atletas vão para treinar e tem várias modalidades. O Centro Olímpico é uma categoria de base do futebol feminino, é o melhor do nosso país.”
Agora, já como jogadora consagrada, Erika revelou que pouco antes de entrar em campo, o vestiário é uma festa. Parte do time se diverte com piadas e conversas, enquanto outra parte se concentra. “Eu gosto de ouvir minha música, me concentrar”, revelou Erika. “Eu sempre faço minha oração e mentalizo meus dois bebês, meus sobrinhos. Não pode faltar uma caneleira que eles me deram com a foto deles”, acrescentou.
Em sua carreira, Erika acumula partidas especiais e momentos inesquecíveis, mas uma ocupa um lugar de destaque em seu coração. “A partida que nós fomos campeãs contra o São Paulo. Não por ser somente um clássico, mas pelo que a gente fez e não por ter ganho. Eu jamais imaginei, com 32 anos, eu dentro de campo no time de camisa que eu amo que é o Corinthians, jogar contra o São Paulo, no campo do masculino e colocar 30 mil pessoas.”